sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Pão e Queijo - uma das artes do encontro


"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida*”.








Hela pensou enquanto comia o sanduíche:
Impressionante como os sanduíches montam e se desmontam num curto espaço de tempo.
-Por isso eles são tão práticos ora bolas!
-Aí que você se engana, querida.
Foi no inicio do findo ano que o PÃO ÁRABE chamou a MUZZARELA DE BÚFALA pra fazer parte do Sanduíche que seria o mais importante da sua assada existência até então. Ele a entrevistou, gostou da amarelinha logo de cara, formou com ela uma dupla e começaram a trabalhar juntos na cadeia mais famosa de padarias do país, a "Bisnagão & Finos", empresa almejada por praticamente todas as massas. Ficaram meses elaborando o cronograma de chegada dos outros ingredientes, fechando a quantidade de ketchup que cada um teria que dar e receber e juntando os farelos pro quitute entrar no forno perfeito. O Pão se lamentava muito nessa etapa e a Muzzarela sempre lhe deu a mão. Logo aí ela começou a perceber que ele era desmedido, sofria ou com o excesso ou a falta de Fermento. Certa vez, numa discussão, o Pão gritou:
- O MEIO-TERMO NÃO EXISTE ENTENDEU !?
"Ai, o que é a vida senão o entre"- pensou a Muzzarela...
A Muzzarela nunca tinha sido o entre, nunca havia feito o papel de recheio e, portanto, tava achando aquilo tudo muito inovador e excitante. Tinha um puta tesão em fazer parte do tal Sanduíche. Adorava ficar grudada no Pão, ele era um Árabe gordo, sarcástico, inteligente e divertido. Segundo o próprio, estavam preparando uma Guloseima transgressora: cada Sanduíche seria singular, pois estaria coberto por um único MOLHO ESPECIAL convidado.
Passou-se algum tempo e os outros ingredientes, o ALFACE, o TOMATE e o FILET MIGNON, foram chegando... a Muzzarela, que já tava cansada de tanto escutar sozinha o Pão dizer a mesma coisa, começou a se enturmar com eles e tudo virava pretexto pro Árabe criar confusão. A Muzzarela também não era santa e foi percebendo que tava na função errada: ela não era lá muito apta a contar e organizar Sementes. Seu dom sempre foi outro. Mas ela se esforçava, ah sim, ela dava o seu máximo.
Às vésperas do lançamento do Sanduíche em cadeia nacional, o Pão fez um discurso:
- Amanhã, quando nosso Sanduíche for lançado, tudo nas nossas vidas vai mudar! Vamos ser reconhecidos em qualquer prato que aparecermos e brilharemos nas fofocas de receitas de todo o país! Eu então, nem se fala... vou ser um astro em cadeia nacional. Todas as padarias do país vão brigar pelo nosso Sanduíche, todas as Broas vão querer ficar perto de mim e eu vou poder definir o meu preço. Mas tomem cuidado, não podemos deixar o sucesso subir à cabeça, devemos estar preparados pra desfrutar os PÍNCAROS DA GLÓRIA!
O Pão tava mega obsessivo com essa história e a Muzzarela foi ficando cada vez mais esturricada pelos 400 Graus do Sírio. Ela sabia que seu ideal era 36 na escala dos Celsius, afinal, é feita do leite da fêmea do Búfalo e precisa de um ponto mais refrigerado.
Apesar das agruras, a Muzzarela adorava o Pão. Contradições assim eram correntes quando ingredientes se misturavam. Desde pequena sua mãe Brie tinha ensinado que conviver em colônias era difícil e que o Outro sempre refletia alguma coisa do seu Eu. Isso era o pior. A Muzzarela via muito da sua própria substância no Pão. Apesar de diferentes por fora- ela é magra e muito protéica e ele gordo, repleto de carboidrato - os dois são muito intensos. E fora da padaria se divertiam bastante: participavam de altas rodadas de fermento alcoólico, adoravam inalar THC e, o mais divertido: eram craques em tirar sons de Rock dos talheres... o Pão era bem mais sinistro, é verdade...quando comprou o conjunto de colheres musicais ficou fanático com aquilo e logo apresentou pra Muzzarela. Além de catártico, tocar notas era ótimo pra concentração, coisa que faltava aos dois.
Mas o Pão queria a Muzzarela derretida nele 24 horas por dia, se sentia muito desolado se ficasse só e fazia chuva de farinha em cima dela. A Muzzarela, pra se defender do trigo, começou a desgrudar no Pão. Ela rebatia os pedregosos farelos dele com pitadas ácidas de tempero. O Pão logo se arrependia e dava leitinho quente pra ela, inconstante do jeito que era.
Quando se distraía e não escutava ao chamado do pão- apesar de ser de Búfala a Muzzarela não consegue pisar bem forte na terra- ele confundia tudo. Ela falava fungo e ele entendia mofo. Mas o Pão também reconhecia o potencial e o talento da Muzzarela: sabia que ela era feita de Búfalas especiais que passavam por uma rigorosa higienização com água corrente e escova nas nádegas, tetas, barriga, pernas e flancos, retirando assim, todas as mediocridades presentes. A Muzzarela era diferente mesmo.
Enquanto isso, os Sanduíches continuavam sendo feitos e a relação do Pão com a Muzzarela ficava cada vez mais explorada... rolavam várias sacanagens com o fato da Muzzarela ser uma avoada... logo ela, que, como diz a lenda, é boa pra memória... A Muzzarela se sentia totalmente fatiada. Mas continuou no tabuleiro, pois quem era feita de Búfala não dava a gordura a torcer e também empacava fácil.
O Pão também já não tava tão fresquinho... sua rica farinha era posta de lado pelos fregueses:: eles queria mesmo é saber do Molho Especial. Tsc, tsc, tsc... O Sanduíche tão almejado e elaborado pelo Pão tinha virado um mero quitute tradicional.
A cada dia a Muzzarela ficava mais mal-humorada e não dava trela pros ataques trigueiros do Pão. Quando ele tacava grãos, ela dizia que tava ressecada e que era melhor sair da fornada. Mas o Pão insistia pra ela ficar e a Muzzarela, indecisa que só, se sentia um Camembert amolecendo. Afinal, ela não ia deixar pela metade as etapas da receita. Era sempre um esquenta-esfria de ambos os lados.
Até que teve um dia que a Muzzrela levou um belo pé na bunda que ela não tinha. Surpreendentemente cuspida, dessa vez pra sempre, porque o Pão nem gritou, ela se sentiu aliviada e seguiu seu rumo. Mas sua temperatura subiu aos Céus quando viu o Pão anunciando em cadeia nacional que a tinha jogado fora do Sanduíche. Não precisava disso em meio a tantas outras coisas pra apontar na sua própria preparação, ainda por cima tendo a certeza que os fregueses pouco se importavam com o Sírio e seus Ingredientes, queriam mesmo era o Molho Especial...


Hela deu a última mordida, amassou o guardanapo e jogou no lixo. Ai, esses ciclos eternos... Colocou o fone no ouvido e veio o Vinicius com a vida feita dos encontros. Hela seguiu alimentada pra não se sabe onde.
Pão-pão-queijo –queijo só é pão-pão queijo-queijo porque é pão-pão-queijo-queijo.
É o que vale, vivam os afins!


*Vinícus de Moraes e Baden Powell-Samba Da Benção

2 comentários:

  1. Muito prazer, eu sou o pão. O escroto, maligno e carreirista pão, o deslumbrado desequilibrado e neurótico pão que usa as pessoas como peças descartáveis para alçar seu ego infinito ao mundo esplendoroso de toda essa merda chamada televisão, de toda essa merda que são essas celebridades vazias que mostram a bunda na televisão.
    Eu sou o pão, aquele que que nunca dá oportunidade para que as pessoas que trabalham com ele possam crescer, que é injusto e ardiloso sempre no intuito de maquiar sua total falta de caráter e de talento - em suma, um enorme filho da puta desprovido de qualquer lampejo de generosidade.
    Eu não gosto muito de metáforas. Pra que metáforas se eu posso cuspir na cara e cagar em cima de qualquer outro filho da puta que me atravesse o caminho e o meu caminho é pelo universo afora até chegar ao infinito?
    Metáforas pra quê?

    Faltou dizer que tudo que o pão queria era comer a Muzarella.

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  2. "A Muzzarela falava fungo e o Pão entendia mofo..."
    Talvez porque não goste das metáforas, ele não compreendeu o sentido dos encontros: pão-pão-queijo-queijo só é pão-pão-queijo-queijo porque é pão-pão-queijo-queijo.

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